Educação vs. Criatividade vs. Cidadania vs. Vontade política vs. Facilitismo

Partilho de várias das ideias do Ken Robinson, não só do ponto de vista da criatividade estritamente falando, bem como de vários outros temas ligados ao ensino de uma forma geral. E concordo plenamente com ele quando afirma, e todos nós sabemos na prática, que hoje ter um canudo não quer dizer nada. Mas temos que analisar o problema do “ensino” de uma perspectiva mais ampla.

Segundo os conceitos modernos (chamem-lhe piagetianos, pós-modernos, ou o que quiserem), a escola tem como finalidade formar o “cidadão” (atentem no nome que dão aos módulos que os alunos têm no ensino básico, e não é só no nós-terra).

Como é que um “indivíduo” se transforma em “cidadão”? É preciso dar-lhe as competências próprias que caracterizam o “cidadão”.

Mas de acordo com todos os códigos de direitos do “cidadão”, este deveria saber intervir pessoalmente na esfera pública, defender os seus pontos de vista, deliberar, eleger, ser eleito, enfim, participar da organização da própria sociedade como “cidadão” de direito.

Assim, a escola, cujo objetivo fundamental se pode pensar como a formação do pensamento, além da aprendizagem para a autonomia, deveria também considerar uma dimensão política e estimular e promover a cooperação e a participação.

Mas isso era giro na antiguidade clássica… quando se aprendia para ser cidadão. Depois vieram os romanos e os bárbaros e continuou-se pela idade média e nos séculos que se seguiram, e apesar de “revolução cultural”, palaciana (sim, quem era “educado”????, quem eram os cientistas?, quem eram os doutores? -quem tinha $$ próprio ou um patrono, dado que ainda não havia o BES) só se aprendia a profissão do pai, para se usar e passar um dia mais tarde ao filho… mas… aprendia-se, quer a pensar (bem, alguns), quer a ser cidadão (quando havia direito a tal).

A massificação no ensino começou no inicio do século XX como “sub-produto” do enriquecimento provocado pela revolução industrial. E é verdade que não há nenhum mal em querer aumentar a disponibilidade de bens para todos, e de querer dar as “melhores condições” a todos, quer de saúde, de justiça, e, portanto de “EDUCAÇÃO”.

Mas cedo se viu que havia uma contrariedade -a “escola” é um lugar da socialização mas tende a esquecer a organização conjunta da vida, porque está preocupada com outro objetivo importante -o desenvolvimento “pessoal” do aluno. Então essa massificação, necessitava de “novos conceitos” de socialização do ensino. É aí que a “escola de Piaget” fez furor … por dar “pontapé para a frente”.

A “discussão” foi considerada por Piaget como “um dos elementos que permitem evoluir do egocentrismo, característico da mentalidade da criança pequena, para um comportamento mais descentrado”. Palavras lindas, que na prática se traduzem por considerar a criança como um interlocutor intelectual do adulto e dar à “educação” o papel de acompanhar e provocar a criança na busca da novidade e da criatividade. Mas meus amigos, quando chegámos aqui, estragámos um bocadinho. E não é preciso tecermos grandes considerações à volta do tema “a criança descobre por ela própria”… como costumo dizer, se não for ensinada a pensar (e, portanto, a errar), a criança (ou o adulto) não descobre o teorema de Pitágoras, ou como se desenha uma rosca, ou como funciona um motor de automóvel, ou o que são as ondas hertzianas que fazem funcionar o telemóvel que tem nas mãos. E o mecanismo correcto é, como o Alex disse, procurar o abstrato e com ele racionalizar os conceitos, os construtos.

Claro que a evolução para os tempos modernos dos outros factores sociais -cada vez maior liberdade, mais riqueza (pelo menos em média, e acho que todos sabem o que é a “média”), maior capacidade de recursos tecnológicos e de ampla difusão são o culminar do que foi “prometido” pela revolução industrial. Mas para isso a malta tem que trabalhar e ganhar os tostões, e para isso os filhos têm que ser depositados na “escola” e “alguém” que tome conta deles, e “ai de quem tocar no meu menino ou o obrigar a fazer os trabalhos de casa, ele/a tem muitas outras actividades na vida e não pode perder tempo com essas coisas”… E, como disse aos outros pais e à professora que intimidada com esses comentários não obrigava os alunos a fazerem os t.p.c’s, numa reunião de pais quando a minha filha andava no 2º ano “se não os obrigarem agora a fazer o que quer que seja, temam pelo vosso futuro… e pelo deles”. 

E é por essas e por outras que as “reformas do sistema educativo” (e mais uma vez não é só no nós-terra) são o que sabemos que elas são desde os anos 70 do século passado (ena pá, já lá vai tanto tempo) -o ensino “encolheu-se”, “abaixou-se”, “reduziu-se” para se adaptar ao “sistema”.

É também por isso que hoje o paradigma do “ensino” ainda está em piores condições do que no tempo do Piaget. A continuada massificação do ensino (que eu não condeno, calma! antes pelo contrário, mas, claro, se for ENSINO) é levada ao extremo de não exigir o esforço -sim, estudar é chato, exige esforço, ou acham que se aprende o que é matemática, sem se passar pelo cálculo laborioso e o treino da tabuada “cantada”… E quando se obriga os alunos a usar máquina de calcular no “ensino” básico, está-se à espera que alguém vá preocupar-se em saber diferenciar ou calcular “bem” vigas para pontes ou motores de aviões? Ou sequer a “pensar”?!?! Então a máquina resolve, a internet tem lá a informação, a máquina faz. Para que havemos de pensar?!!!

Assim treinam-se alunos desde o jardim infantil a obter a melhor classificação sem necessariamente saberem -por isso no ano seguinte já não se “lembram” do que deram… ou seja… o conceito não ficou lá. E vão assim até saírem dótores! Mas também, o que a malta quer mesmo é esquecer a crise e, já agora, a vidinha facilitada, seja passando sem se saber nada, seja com a prima de apelido “Cunha” ou o factor C, o que a malta quer mesmo é que não nos chateiem.

Ou seja, o pior de tudo isto é o alheamento que se vai criando. A televisão e os outros “ópios” do mundo moderno estão a par do “ensino” que não “ensina” e não espevita o intelecto -os líderes querem “cidadãos votantes” e não cidadãos. Assim, quanto menos souberam julgando que sabem (ou seja, não os ensinado) melhor, mais facilmente são manipuláveis

E, mais uma vez não é só no nós-terra. E aqui há algo que não entendo. Estou muito a par do que em termos de ensino se passa noutras culturas tão diferentes da nossa como a Sueca, a Brasileira, a Americana ou a Malaia, e temo dizer-vos que estamos todos no mesmo barco… a aldeia globalizou-se em todos os aspectos. O alheamento é igual, a vontade dos alunos é igual, tal como a vontade dos políticos em lidar com o “problema”.

Acho que a falta de “criatividade” (dos políticos, e ensinantes) até para ultrapassarmos este impasse, se deve mesmo a ter-mo-la morto há muito tempo com piagetices…

 

Comentários

Um comentário a “Educação vs. Criatividade vs. Cidadania vs. Vontade política vs. Facilitismo”

  1. Avatar de alex

    A escola, até há pouco tempo, nunca teve a pretensão de formar cidadãos.
    Quando eu fiz o ensino obrigatório, a escola quase só transmitia conhecimentos de âmbito científico ou linguístico; acrescia a isso uma disciplina de artes e trabalhos manuais e também a educação física.
    A educação cívica não era explícita. Estava implícita nas regras de conduta, mas as regras de conduta existem em todos os sítios, não são exclusivas da escola.
    A socialização idem: se eu não for à escola, não deixo de socializar: continuo a dar-me com os meus amigos, os meus superiores e aqueles que estão abaixo de mim.
    Só recentemente surgiram cadeiras de educação cívica nos currícilos escolares. Mas eu sou um tipo da velha guarda e acho isso uma coisa sem sentido. No meu entendimento destas coisas, o papel da escola é fazer aquilo que os outros agentes sociais ou instituições não fazem, porque não estão cunhados para isso: transmitir conhecimentos técnicos, científicos e artísticos, e promover o seu desenvolvimento. O resto aprende-se fora da escola.

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