Uma vez vi uma banda desenhada, que bem podia ser um filme, em que os dois personagens passeavam enquanto o fluir do tempo tinha parado. Os carros imóveis, as pessoas estáticas em posições de desequilíbrio, umas laranjas a cair suspensas no ar, as nuvems de um escape, rígidas em lugar de volúveis. Aos personagens era-lhes impossível mexer qq objecto, pois estando estes num tempo congelado, todo e qq movimento lhes era vedado. Interroguei-me na altura, como era possível aos personagens passear, pois isso implicava fazer mudar de lugar inúmeras moléculas de ar. Mais tarde, interroguei-me como podiam elas ver qq coisa, pois os fotões também estariam parados.
Considero agora que sem fenómenos não pode existir tempo. O tempo não flui externamente, enquanto as coisas vão contecendo. Pelo contrário, é pelo acontecer dos fenómenos que nasce o tempo. A representação usual do tempo, pela variável independente t, obfusca este facto.
Se se imaginar que todos os fenómenos pararam, em todo o universo, durante mil anos, e depois recomeçaram exactamente como deviam, como vai ser possível detectá-lo? E como medir esses mil anos? Porque não mil dias? Ou um microsegundo?
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E quanto ao espaço? Um vazio vazio, mesmo mesmo vazio, será possível? Será possível um espaço vazio de toda e qualquer radiação?
Imagine-se que num laboratório muito avançado se pretende construir uma cavidade vazia de toda e qualquer radiação, de toda e qualquer coisa, uma cavidade que seja um vácuo absoluto. Como impedir que as paredes a inundem de radiação térmica, uma vez que não estão ao zero absoluto? Um espaço vazio vazio, mesmo vazio, parece-me tão impossível como um tempo imóvel.
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Aplique-se o mesmo raciocínio. Se não é possível conceber um tempo imóvel, sem eventos, também não deverá ser possível conceber um espaço vazio, sem fotões.
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Caro leitor: Foi enganado pelo título. Este artigo deveria chamar-se “Fotões e eventos”. Mas o meu gestor de marketing achou que o título era inadequado, não prestava, e que se devia chamar antes “Filmes e gajas”. Aí opus-me. O consenso final é o que ficou.
Afinal de contas, que mal é que faz? Hoje em dia é de mau tom chamar as coisas pelos nomes, e preferem-se eufemismos delicados.
P. ex: Rebeldes no Iraque – Insurgentes. Desculpem!?? Nem sequer insurrectos, vá lá. Agora “Insurgentes”. Nem sequer é português. Ou melhor, só passou a ser português desde que o Iraque foi invadido, porque antes dizia-se “Insurectos”. Insurgentes é uma palavra castelhana. Basta googlá-la.
Sempre destestei estudar por livros em Espanhol, como aquela tradução do Apostol da editorial Revertê. É que a mesma palavra tem significados díspares em português e em castelhano. Por ex: “Mi marido se queixa que la pila está rota”, quer dizer “O meu marido queixa-se que a pilha está gasta”. Claro que pensaram outra coisa, não foi?
Convicto em castelhano quer dizer presidiário.
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Mais exemplos de termos eufemistas e respectiva tradução comum:
Poluído -> Sujo
Doença prolongada -> Cancro
Associação defensora dos direitos das lagartixas listradas – > Chatos do caraças
Minuto verde -> Minuto masoquista
Marine-> Fuzileiro
(ia a conduzir ) com excesso de alcool no sangue – > (ia a conduzir ) Bêbado
Desviou verbas -> roubou
inverdade -> mentira
Ordenou a abertura de um inquérito -> Não sabe nada do que se passa
Ordenou a abertura de um rigoroso inquérito -> Não sabe nada do que se passa, nem nunca vai querer saber
Segredo de justiça -> Só sabe quem eles quiserem
Nos filmes o final é sempre feliz-> Ganda barrete
O pai natal deixou uma prenda no sapatinho-> La’ foi o VISA amassado mais uma vez
As radiações são inofensivas-> Tá calado e não chateies
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Convidamos agora o nossos estimados leitores a prolongar este singelo diccionário-> Já tou farto disto
Um bem haja
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Se um espaço estiver com mais fotões do que outro, haverá lá mais espaço? Se num dos braços do interferómetro, a luz for obrigada a passar por uma região do espaço mais quente, mais fria, com temperatura variável, será que a figura de interferência vai acusar?
Se fosse num filme, era fácil responder.
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