Eu cá não sou de intrigas mas…

Há muitos anos, quando era puto e andava de calções, a minha mãezinha aconselhou-me mais do que uma vez a evitar grandes conversas com a porteira do prédio onde vivia.

A razão prendia-se com a famas das porteiras de trabalharem pouco e passarem o tempo a “cortar na casaca” de cada um.  Os vicios e defeitos de cada um eram expostos em conversas na mercearia que se iniciavam sempre como “Eu cá não sou de intrigas mas…”.

Nestes foruns de discussão a sabedoria da porteira era sempre reconhecida uma vez que se movia bem nos meandros dos prédios, falava com as empregadas, ouvia os desabafos das senhoras ou escutava “inadvertidamente” as conversas (“Eu não queria ouvir mas…”). Normalmente a sua sabedoria era secundada e confirmada por outras pessoas que não tendo o que fazer agitavam as cortinas das casas ao mais leve movimento.

Eram normalmente fieis aos dótores que lhes calhavam em sorte e exaltavam-lhes as virtudes ao mesmo tempo que à boca pequena não deixavam escapar as suas fraquezas (os/as meninas, as putas, o binho, o jogo, as prepotencias). Mas sendo quem era, tudo se desculpava, até porque “é um homem muito inteligente”.

Num encontro de mercearia degladiavam-se na divulgação de informação, numa espécie de torneio de má lingua em que quanto mais nauseabunda fosse a descoberta maior era o estatuto atingido.

Por outro lado o seu estatuto subia também por osmose quanto maior fosse o número de Dons e Donas que habitavam o prédio (“Fulana trabalha no prédio de Fulano e Sicrano”).

Ora os tempos mudaram.

Já não se encontram pessoas para estes lugares e os condomínios, a maior parte das vezes, prefere alugar os apartamentos destinados a estes funcionários, poupando assim nos custos e baixando a despesa com o condomínio.

Mas a função manteve-se e especializou-se. Ao contrário de antigamente, os novos profissionais já não têm nomes que não lembram ao menino Jesus e alguns até têm apelidos sonantes. Existe mais igualdade na profissão, sendo agora também aceites homens.

Lembrando os avisados conselhos de minha mãe, raramente leio jornais e evito ver telejornais. Estou farto de ver porteiras a entrarem-me pela casa dentro.


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