Acredito que o relato é verdadeiro, ainda que muitos dos pormenores sejam apócrifos. Ocorreu já lá vão séculos, mas poderia ter sido ontem, dado que os intervenientes são actuais. As profissões mudam, mas as necessidades nem por isso. Foi assim que ela me chegou, fria e inquietante.
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Naquele tarde polaca, com o céu tão carregado, no cemitério acontecia um movimento contrário ao costumeiro. O coveiro discutia com o médico.
“Mas, sr. Dr. Eu digo-lhe que nunca tal vi. O osso é sempre inteiro, nunca o vi partido.”
“É você que não sabe ver. Desde Hipocrates que se sabe que os homens têm o esterno segmentado em 7 partes. Vê-se logo que nunca leu Hipocrates.”
“Mas Sr. Dr., eu garanto-lhe que não toquei na sepultura da sua esposa, que Deus tem. Se o osso está inteiro, é porque era assim. Ninguém lhe mexeu, ninguém a desrespeitou, muito menos eu.”
“Homem, não me diga que a minha esposa tinha o peito mal gerado. Você está é a querer enganar-me! Profanou a sepultura sei lá para quê. Se calhar é a sua mulher que faz bruxarias com os restos dos cadáveres. Tirou de lá o corpo de minha mulher, e pôs lá esse corpo aleijado. Isto não vai ficar assim, garanto-lhe.”
“Não tenho culpa nenhuma. Toda a gente tem o osso inteiro, até a sua esposa. Nunca mudei nenhuma sepultura em que esse osso estivesse ao bocados. Sr. Dr. tenha dó de mim, que só estou aqui a fazer o meu honesto trabalho.”
“Dó de si, profanador de sepulturas? Você violou a memória da minha mulher. E sei perfeitamente que me está a querer enganar com essa história de que toda a gente é assim. Hipocrates guia-me, e eu vou guiar a justiça até si!”
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Gastam os olhos a lerem nos livros, e ficam cegos para a realidade que os rodeia. Ontem tal como hoje.
Esqueletos
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