The Pink Penguin – Iniciando 2007…

The pink penguin.
 

Dedicado ao Borges e à Ursula

 

A conversa tinha escapado ao meu controle, e tive de o admitir:

-Sim, é verdade! Vim à consulta para ver se o Sr. Dr. me impedia de dormir. É que eu não posso dormir. Se não, não sei o que pode acontecer.

– Isso é muito curioso. Não me quer dizer mais nada?

Pronto! Já estava. Mais outro que não queria acreditar em mim. Mais outro que não me percebia. Começavam com estas falinhas mansas e depois procuravam curar-me de doenças mentais obscuras, que só eles conheciam, ou piores que essas. Como explicar-lhes que não podia dormir? Como demonstrar-lhes que era um perigo para toda a gente se eu adormecesse novamente. Já tinha tentado tudo e mais alguma coisa. Mas que mais podia eu fazer?

De obscuro jovem esotérico tinha-me desenvolvido vertiginosamente. Calcorreei paisagens intelectuais desconhecidas de quase todos. Penetrei segredos virgens. Quanta emoção. Quanta alegria. Que prazeres intelectuais não fruí nessas vitórias antigas. Mas agora, que sufoco. Tinha de conviver com as felizes memórias desses remotos sucessos, e conciliá-las com as amargas responsabilidades das consequências das minhas íntimas descobertas. Tinha-me transformado num consumado heresiarca, perseguido por todas as divindades, concorrente com elas. Nada a minha origem. Tudo o meu destino. O fardo a criação.

Sonhar é criar, é alterar a realidade. Comuto sonhos. E a realidade presente é apenas um deles. Quando sonho, o sonho passa a realidade, e a realidade passa a eco longínquo, sonho componente do novo sonho, da nova realidade emergente. A realidade nasce dos sonhos e aos sonhos à de voltar. Como me meti nisto? Como isto me aconteceu?

Quando começou, foi sem querer. Apenas racionalizava a criação, a cosmogonia, o Big-Bang. Como apareceu o Universo? O que havia antes? É que antes do tempo não havia antes. A criação teve de ser um acto efémero de uma divindade eterna, O universo era apenas um efémero, consequente de um eterno. E mais nada! O peso cultural oprimia-me. Legiões de antepassados tinham procurado provas da existência do Deus, do Criador, do Garante da existência. O criador eterno. O eterno criador. Sempre a criar.

O segredo era o que todos sabíamos, mas não ligávamos. Que o futuro e o passado não existem, são apenas sonhos, memórias, ilusões. É sempre presente. Estamos sempre no presente. Estamos condenados a existir no presente. A criação é eterna. A criação é constante.

O mundo, tudo o que nele existe, todos os fósseis, todas as bibliotecas, todas as memórias, todo o universo, foi criado há um instante por uma divindade eterna, intemporal, omnipotente. Tudo o que penso, projecto, recordo, emana desse instante onde tudo acontece, aconteceu e acontecerá. É por isso que só existe presente. Esse é o primeiro segredo, que todos sentimos, todos sabemos, mas não ligamos.

O segundo deriva da racionalidade triunfante, que tudo explica. Se tudo é causado, se tudo é provocado, se tudo se articula de forma determinada, onde está a liberdade? Não pode existir, num universo completamente causal. Mas se um fenómeno, um evento, não é causado, como pode acontecer? Como emerge o espontâneo? Tem de ser criado a partir do nada! Mas isso não pode ser. Isso não é física. Isso é um dos atributos do divino. E quanto a nós, humanos? Será que é tudo uma fatalidade, pré destinada a acontecer? Ou será que podemos controlar o destino? Onde está o nosso livre arbítrio? Ou não existe, ou no mais profundo de nós têm que existir uma centelha do divino, pois de outra forma não poderíamos criar, decidir livremente.

Os segredos são estes. A criação é constante e eterna, e nós podemos participar. Estes são os mistérios que nos esperam quando se viaja até ao âmago.

 

Desenvolvi-me. Transformei-me num heresiarca, herege supremo para as tristes religiões que apenas conhecem a sua verdade. Mas aprofundei o meu domínio dos mistérios. Desenvolvi aptidões, conceitos, termos, linguagens novas. Não para comunicar com alguém, mas para controlar a criação. Escrevi as secretas equações onde aparece o f, a probabilidade de criação, a constante mais poderosa de toda a física, e que permite deduzir todas as outras, c, h, e0

E onde cheguei? Ao portal dos sonhos. O sonho comanda o desejo, e o desejo é a chave do querer, da vontade, do ser.

Sonhei que os pinguins já não eram cor-de-rosa, e pronto. Nunca houve pinguins cor de rosa. Sempre foram de outra cor. Como toda a gente sabe. Sonhei que as zebras tinham riscas, e quando acordei, sempre tinha sido assim, todas as bibliotecas, memórias, culturas, registos o provavam. Alterava a realidade. Deixei, como todos os outros, de apenas alterar a realidade em cada decisão, para passar a submetê-la aos meus sonhos. O universo é um dos meus sonhos. E enquanto mantive o equilíbrio onírico, a harmonia reinou. Tinha roubado o fogo aos deuses.

Mas fui-me cansando. E já não controlo o que sonho. Só acordando. Especialmente nos pesadelos. Ultimamente ando com pesadelos. Guerras, catástrofes, coisas horríveis. Mas acordo antes. Ou antes, acordava. Mas os pesadelos estão recorrentes, pegajosos, impossíveis de dissipar. Sonhei com Hitler, com toda uma guerra horrível. E não acordei. Ou antes, acordei tarde de mais, como sabem, se acreditam em mim, vocês que são um produto do meu delírio. Agora tenho medo de sonhar, de dormir. Quanto mais cansado, piores os pesadelos.

Outros sonham, outros poderes procuram dominar a realidade. Mas é o que eu sonho que se torna real. Mas eu não dirijo o que sonho. Apenas o padeço, quando não acordo a tempo de o evitar. Quem dirige os meus sonhos? Quem o faz? Quem me controla a mim, criador de realidades?

Outros, que sonham mais forte que eu? Outros, mais lúcidos que eu? Mas será que também eles sonham? Ou será que eles são apenas sonhos, ilusões minhas?

Isso já não interessa. Se não sonhar, tudo se evita. A angústia do que quero evitar dissipar-se-á. Estou possuído por um pesadelo recorrente, que não me abandona, que não posso ter. É a guerra. Vem aí, como uma chuva fraca e insidiosa que se transforma numa tempestade imparável. É como se todo os sonhadores se unissem para me fazer sonhar o que não quero, o que não desejo. Mas estou cansado. Tenho de ir dormir. Não sei o que acontecerá se não acordar a tempo.

Aqui fica um projecto de sonho. Sonhem-no para ganhar. Ou antes, vou procurar sonhar com ele, quando dentro do pesadelo sonhar que estou a sonhar.

É a Lua, estúpidos, a Lua! Sim, a Lua. Quem ganha a guerra é quem controla a mobilidade. Houve um tempo que era a pé. Quem não era detido, quem detia o outro, ganhava. Depois, tivemos a ajuda dos cavalos. Mas tudo cresceu. Os cavalos já não iam a todo o lado. Barcos, a mobilidade era a navegação. Mas essa época já lá vai. Agora é preciso controlar os céus. Quem os controla, não deixa ninguém mexer cá em baixo. As órbitas serão o próximo passo, engolido de imediato pela Lua. Quem controlar a Lua, controla as órbitas. Quem controlar as órbitas controla os céus. E quem controlar os céus ganha a guerra. Aquela que quer ser sonhada, mas que eu recuso.

Mas estou tão cansado….

 

 


Publicado

em

, , ,

por

Etiquetas:

Comentários

4 comentários a “The Pink Penguin – Iniciando 2007…”

  1. Avatar de Teresa
    Teresa

    Já tinha tido a honra de o ler e comentar, mas não é por isso que o deixo de fazer segunda vez:) Especialmente porque é uma ideia genial escrita de uma forma super engenhosa… Way to go!:)

  2. Avatar de the Tao of Shin Shen
    the Tao of Shin Shen

    Sonhar é sinal de excesso de comida.
    Terapia: fome (muita), arroz integral (pouco) e água (alguma).

  3. Avatar de alex

    Fome.
    Apenas a suficiente para não sonhares e não fazeres a guerra.

  4. Avatar de the Tao of Shin Shen
    the Tao of Shin Shen

    Volta, Alexandre! Assina CG.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *