Não me perguntem como nem porquê, ontem tive de ir ao Vaticano, aquele estado soberano com 44 hectares incrustado no centro de Roma. Dos afazeres fez parte assistir a uma missa, celebrada pelo próprio Papa. Eu e as missas não nos damos bem, mas as razões de família são mais fortes que as razões ideológicas, e lá dei por mim na pequena assistência. Quando chegou a vez das leituras, um daqueles tipos todo vestido de branco e escarlate cumpria a produção oral, enquanto o impassível Papa estava sentado, com duas crianças, de 4 ou de 5, ao colo, uma em cada perna. Um marfanhão já nos nos seus 9 ou 10 também quis ir para o santo colo, e ala, que lá é se vai estar bem. Mas o colo ocupado estava, e trepar fácil não era. Agarra com uma mão em cada petiz e puxa, para se içar. Para evitar cairem, os petizes abraçam-se com determinação à augusta figura que os amparava, que não reagiu do torpor em que se adivinhava. Toda aquela pirâmide de corpos oscilava e ameaçava desabar. Nenhum dos envolvidos na cuidada coreografia litúrgica se desviava da rota pré determinada.
De onde estava foi-me fácil dar duas passadas, e jogar uma mão. Derrocada evitada, marfanhão neutralizado, regresso num ápice ao lugar que me competia. No final da cerimónia, um eventual lacaio fez-me saber que uma distinta personagem desejava falar comigo. Os meus pais acharam por bem que fosse imediatamente, e ficaram numa das labirínticas antecâmaras.
Conforme entrava no austero gabinete e observava as graves faces, qualquer coisa não batia certo. O recente episódio era com certeza a causa próxima, mas aqui havia história dentro da história. A conversa irritou-me. De repente, fui acusado de ser “um perigoso católico tradicionalista”. Desculpem? Que se passa aqui? É assim que no Vaticano o poder actua? Este Papa tem de ir, porque já não serve? O delírio dos personagens presentes abatía-se sobre mim, em consecutivas bátegas orais, que me encharcavam o raciocínio e afogavam a razão.
“Não estou para aturar isto”, decidi! Levantei-me e afastei-me a passos largos. Passei pelos meus pais e disse-lhes que ia de imediato para o hotel, que eles acabassem de tratar dos assuntos, que depois ao jantar já devia estar melhor. Saí do Vaticano por uma porta secundária, de serviço, como um anónimo.
Ainda não voltei a vê-los. Os telemóveis não dão sinal. Isto não está a acontecer.
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