Antes do 25 de Abril os opositores ao regime utilizavam esta expressão: ler nas entrelinhas. Sendo os jornais objecto de censura, era preciso ler com especial cuidado para encontrar lá as notícias. Ler nas entrelinhas era uma habilidade. Sem a qual não era possível aceder às notícias, às opiniões, a tudo o resto que se dizia de subversivo nos media supostamente neutros ou até afectos ao regime.
Ler nas entrelinhas era uma forma especial de estar atento. Uma capacidade de reinterpretação essencial ao entendimento da realidade filtrada pelos media. Façamos então uns exercícios para lembrar uma arte antiga. Eis pois a antiga arte de ler nas entrelinhas. Aqui vão alguns exemplos.
Jornalista: A governante (Ana Jorge, ministra da saúde) considerou (a propósito da gripe) que “não se pode impedir o processo de aprendizagem dos alunos”, fechando escolas pelo facto de se prever uma pandemia.
Leitor: A ministra tem menos medo da gripe do que nós. Os dias em casa à pala da gripe já eram…
Jornalista: António Borges (PSD) assegurou que “já é legítimo pensar se há uma recuperação possível”
Leitor: Está a preparar-nos para o discurso da emergência nacional. Deve ser o próximo ministro das finanças.
Jornalista: Júlio Monteiro, o polémico tio de José Sócrates (…) Teve outra (casa) no Monte da Quinta, empreendimento do BPN.
Leitor: Ah! O clã sousa também anda a comprar coisas ao BPN… Será como a Herdade da Miséria (adoro este nome)? Será a preço de amigo!?
P.S.: Antes do 25 de Abril era assim. À falta de melhor, procurava-se inferir a realidade a partir de sinais. A informação vinha já com a interpretação desejada. Reinterpretá-la era visto como um acto terrivelmente subversivo.
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