Dr. Ivanoff: poligamia

Esta é a terceira das conversas do chornal com o Dr. Ivanoff. O chornal regozija-se com a oportunidade de ter consigo este convidado, um cientista de craveira internacional, uma referência na sua área de conhecimento.O Dr. Ivanoff é é um perito em antropologia sexual, um domínio relativamente desconhecido do público.

Chornal: Bem-vindo Dr. Ivanoff. Esta é a nossa terceira conversa. Da última vez falámos de diversos factores tais como sociedade, escola, educação, etc., que participam na construção do pensamento social sobre o sexo. Já perto do fim, falou-nos de poligamia. Fiquei com a impressão de que tem muito para dizer ou para ensinar sobre esse tema.

Dr. Ivanoff: Sim, para ensinar, mais para ensinar do que para dizer. A minha esperança é que não seja preciso dizer muito para ensinar bastante. A poligamia é um tema sobre o qual existe muito para ensinar numa perspectiva antropológica. Antes de mais, não existe poligamia. Existem poligamias. E você já devia saber disso.

Chornal: Já estava à espera.

Dr. Ivanoff: A poligamia é um tema fascinante. Vivemos numa sociedade que ostraciza a poligamia com uma radicalidade desmesurada. A poligamia é um dos poucos comportamentos sexuais, agora diz-se orientações, que persistem em habitar o código penal. A poligamia é sinal indiscutível de inferioridade das culturas, civilizações e regimes que a permitem. A poligamia é realmente uma coisa feia. É uma das poucas preversões sexuais que nos restam, ou pelo menos é tratada assim. É tão feia, tão feia, que os nossos intelectuais da sexualidade só a abordam de forma marginal, como uma coisa da qual riem.

Chornal: Realmente, é verdade.

Dr. Ivanoff: Repare-se que não precisam de rir da homossexualidade, do divórcio, do sexo anal ou de outra coisa qualquer. Mas da poligamia precisam rir, ou, pelo menos, sorrir. É requisito aliás, da sua respeitabilidade.

Chornal: Que o Dr. dispensa, parece-me…

Dr. Ivanoff: Em absoluto.

Chornal: Como chegámos a essa situação, na sua opinião? Refiro-me a essa situação de ostracizaçao da poligamia no discurso dos nossos intelectuais…

Dr. Ivanoff: Diz bem: chegámos. É esse que deve ser o ponto de partida da nossa conversa sobre poligamia. “Chegámos” quer dizer que não foi sempre assim. Há dois mil anos atrás a poligamia era uma instituição respeitável e, de repente, deixou de o ser. Essa é que é a verdade.

Chornal: O Dr. tem um conceito de “de repente” um bocado estranho. Dois mil anos não é propriamente de repente.

Dr. Ivanoff: Sim, mas não foi em dois mil anos que deixou de ser respeitável. Foi em bastante menos tempo. Umas centenas de anos, o que é um espaço de tempo curto, à escala da própria evolução da humanidade. Esta última é que é a questão fundamental. E é esta a diferença fundamental entre as perspectivas a que está habituado e a minha.

Chornal: Refere-se à sua perspectiva de antropólogo sexual, presumo.

Dr. Ivanoff: Exactamente. É que eu não sou sociólogo ou psicólogo, ou médico, ou uma qualquer dessas coisas que, sem o saber, se preocupam com uma perspectiva do sexo que é síncrona com o tempo em que vivem. A perspectiva do antropólogo sexual é uma perspectiva que, além de holística, tem uma relação com o tempo que é, pelo menos, diferente.

Chornal: Porque é que diz “pelo menos”.

Dr. Ivanoff: Porque nunca sabemos onde é que estas coisas chegam. Sei que é diferente, mas ninguém sabe em rigor a extensão das consequências dessa diferença. Sinto-me mais próximo de uma certa intemporalidade, embora intemporalidade seja um termo obviamente demasiado forte. Nada é intemporal, nem a natureza humana. Mas digamos que para o antropólogo sexual o tempo, ou seja, as modas, passam mais lentamente, muito mais lentamente.

Chornal: E isso tem consequências?

Dr. Ivanoff: Claro que tem. É nessa perspectiva que abordo a poligamia. Uma perspectiva que choca o establishment, mas que na verdade é uma perspectiva conservadora.

Chornal: Perspectiva conservadora, a sua?

Dr. Ivanoff: Com certeza. Como antropólogo sexual a minha perspectiva só podia ser esta. É uma perspectiva conservadora, no sentido em que se assenta no reconhecimento da poligamia como a tradição sexual dominante mais antiga, mais antiga que qualquer das orientações sexuais posteriormente inventadas e, certamente muito mais antiga do que a tradição monogâmica.

Chornal: Tem provas disso ou estamos perante uma espécie de conhecimento filosófico de carácter predominantemente especulativo?

Dr. Ivanoff: Claro que tenho provas disso, mas também podemos deixar isso para depois. Agora o que parece importante é definir esta perspectiva que designo por conservadora, e que é a minha perspectiva relativa aos temas do sexo.

Chornal: Costuma dizer que é uma perspectiva “duplamente conservadora”. Quer esclarecer os nossos leitores sobre o que quer dizer com isso? Em que sentidos é que se vê como conservador?

Dr. Ivanoff: Conservador no sentido de alguém que cuida de um património. Conservador tal como alguém que cuida de um museu ou de um ecosistema. Antes de mais sou um conservador nesse sentido. Vejo-me como conservador como outros em áreas distintas. Todos nós, conservadores, nesse sentido, somos pessoas que procuram salvaguardar algo, ou uma parte de algo, face a uma destruição eminente pelo passar do tempo, pelas mudanças sociais ou ambientais, pelos valores mercantilistas, eticistas ou outros.

Chornal: Percebi. Daí aquele seu comentário crítico face à história da menina de 10 anos que se divorciava no Iemen…

Dr. Ivanoff: Sim. Por muito que isso custe a alguns ouvidos mais sensíveis, faz-me lembrar aquelas intervenções humanas desajeitadas em ecosistemas de que se tem apenas um conhecimento parcial. Não digo que não devem ser feitas, em absoluto…

Chornal: Então, o que quer dizer exactamente?

Dr. Ivanoff: Digo que usualmente se subestimam os riscos da intervenção. Devia-se ter em conta um qualquer princípio de precaução, à semelhança dos ecosistemas. Existem seres humanos que são objecto de uma intervenção, ocidental, que tem um carácter ideológico, mesmo quando a bondade dessa intervenção é indiscutível. O que não se diz frequentemente é que esses seres humanos são na verdade cobaias dessa intervenção e, não menos importante, que os riscos que esses seres humanos correm são riscos acrescidos face àqueles que os seus pares efectivamente correm. O que não se diz frequentemente é que o interventor que está lá hoje não estará lá amanhã para dar o suporte que entretanto se tornou necessário e que os media esquecerão aquela história à velocidade da luz porque é esse o tempo da nossa civilização.

Chornal: Percebi. Discordo, mas percebi.

Dr. Ivanoff: Está bem.

Chornal: Estávamos a falar da sua perspectiva duplamente conservadora. Uma delas então é esta perspectiva museológica ou conservacionista. Em que outro sentido se vê como conservador?

Dr. Ivanoff: Conservador numa perspectiva de ética sexual, também.

Chornal: Conservador numa perspectiva de ética sexual? Não vê essa sua afirmação como colidindo com o nosso sentido habitual de conservadorismo sexual?

Dr. Ivanoff: Sim, certamente, mas todos esses gajos que se afirmam de conservadores em matéria sexual não passam de uns aldrabões. São uns modernaços disfarçados de conservadores. Afirmam-se conservadores, porque isso é uma forma de se legitimarem, de se dizerem assentes numa tradição. Eu é que sou conservador. A poligamia chegou primeiro, a monogamia foi inventada ontem, ou anteontem, na melhor das hipóteses.

Chornal: Humm. Acho que pela primeira vez deixámos aqui qualquer coisa séria sobre poligamia. Já o andávamos a prometer há várias sessões. Acho que estamos condenados a voltar a este tema. Por hoje, o nosso tempo está a chegar ao fim. Vamos despedir-nos por hoje dos nossos ouvintes?

Dr. Ivanoff: Sim. Estão despedidos.

Chornal: Dr.!… Você também tem umas piadas foleiras.

Dr. Ivanoff: Desculpe. Boa noite então para todos.

Chornal: Boa noite. Assim está melhor.


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Comentários

Um comentário a “Dr. Ivanoff: poligamia”

  1. Avatar de UKaines
    UKaines

    Investir na poligamia é investir na dor de cabeça

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