Esta é a primeira das conversas do chornal com o Dr. Ivanoff. O chornal regozija-se com a oportunidade de ter consigo este convidado, um cientista de craveira internacional, uma referência na sua área de conhecimento.O Dr. Ivanoff é é um perito em antropologia sexual, um domínio relativamente desconhecido do público.
Chornal: Dr. Ivanoff, sendo esta a nossa primeira conversa, talvez pudéssemos satisfazer a curiosidade do público definindo o que se entende por antropologia sexual. Que lhe parece?
Dr. Ivanoff: Boa noite. Antes de mais, sou eu que agradeço o convite para estar aqui. É com imenso prazer que descubro existirem neste chornal pessoas que de alguma forma partilham os mesmos interesses que eu. Na verdade, sou também vosso leitor e aprecio o vosso trabalho, por isso sinto que este vosso convite corresponde de certa forma a um reconhecimento recíproco, o que é sempre agradável. Qual era sua pergunta, desculpe?
Chornal: Ah! A pergunta. Também já me esquecia. Os elogios têm este efeito. A pergunta era “o que lhe parece de começarmos por definir o seu domínio de conhecimento, a antropologia sexual”?
Dr. Ivanoff: Começamos mal (gargalhada). Não leve a mal, mas não é uma boa ideia. O público não quer definições de domínios científicos. Para isso ia para a escola. Agora a sério. Não é uma boa ideia começarmos por aí. Ensinei durante muitos anos e sempre achei que definir algo era uma forma pobre de lhe dar início. Eu sei que isso é um hábito semi-obrigatório que decorre da prática investigativa. Mas é um hábito mau. Tem o seu valor nesse contexto, mas perde-o logo que saímos dele.
Chornal: Desculpe Dr., não percebi. Quer dizer que vê a definição do problema como algo de negativo? Não é a definição do problema essencial à sua resolução?
Dr. Ivanoff: Não estava a falar de problemas, estava a falar de domínio científico. Mas, para todos os efeitos, a situação é igual. No contexto do acto pedagógico, a definição esgota a necessária reflexão sobre o objecto. Define-se, delimita-se, resolve-se o problema e o problema morre ali. Exactamente o que não queremos que aconteça. E não queremos porque nós precisamos do problema. O problema não precisa de nós. Somos nós que precisamos dele para crescer. É assim num contexto pedagógico, ou num contexto clínico. No contexto da prática científica, a definição do problema não é melhor, mas infelizmente isso é pouco conhecido.
Chornal: Como Dr.? Surpreende-me o que está a dizer. De alguma forma vai contra aquilo que nos é ensinado. Podia ser mais específico?
Dr. Ivanoff: A definição, quer seja de domínios ou de problemas, é um momento de cristalização. É o fim de um período de flexibilidade, de disponibilidade para a aprendizagem, num contexto pedagógico, ou de disponibilidade para a mudança, num contexto clínico. De alguma forma, a definição é mais o fim do que o princípio. Este é o meu ponto de vista, não é necessariamente o ponto de vista de outros peritos. Não é doutrina oficial, mas posso assegurar-lhe que a minha experiência me trouxe uma forte convicção de que estou correcto. É uma experiência, como lhe disse, assente sobretudo na prática clínica, pedagógica e investigativa. É a minha experiência. Vale o que vale.
Chornal: Então recusa-se a definir o que entende por antropologia sexual? Não quer fazer esse jeito ao nosso público?
Dr. Ivanoff: Sim, recuso (gargalhada). Eles que vão descobrindo. Por si. Lá em casa, nos transportes públicos, no emprego (risos). Tenho a certeza que se se esforçarem um bocado acabam por descobrir. É assim que as coisas devem ser feitas.
Chornal: Dizem que só faz o que quer. Acho que se calhar é verdade. Então já que não nos define o seu domínio científico, que tal irmos em frente? Que tal avançarmos para o tema que nos trouxe aqui, o tal sexo em tempo de crise financeira?
Dr. Ivanoff: Sabe, o tema é um bocado ingrato. A crise financeira vai acabar, mais ano menos ano, e o sexo veio para ficar. Por isso, o que eu espero é que as pessoas aprendam alguma coisa com isto, com esta crise, mas no fundo só vale a pena pensar na relação entre o sexo e a crise se o que se aprender for útil para todas as outras crises.
Chornal: Sim. Porque existirão sempre outras crises…
Dr. Ivanoff: Sim. Exactamente. É por isso que o tema tem uma certa relevância.
Chornal: Então diga-nos lá como vê a relação entre o sexo e a crise.
Dr. Ivanoff: A relação entre o sexo e a crise, numa perspectiva de antropologia sexual, é uma relação muito antiga. O próprio sexo é crise, quer dizer, é um momento de transformação, um momento de insegurança, um início de qualquer coisa. E não estou a falar de sexo apenas como acto sexual, estou a falar de toda a envolvente emocional e social, por exemplo, ou mesmo de uma envolvente espiritual.
Chornal: Bem, a sua resposta não foi bem a que esperava. Esperava uma resposta mais no sentido da influência da crise sobre o sexo.
Dr. Ivanoff: Eu sei. Esperava. Foi exactamente por isso que não a dei.
Chornal: O Dr. Ivanoff é um bocado mau. Já lhe disseram isso?
Dr. Ivanoff: Mau e rude. Sim, já disseram. E estão um bocado enganados a esse respeito (risos). Mas posso responder-lhe. Ou pelo menos multiplicar as suas perguntas, o que já é uma ajuda. Sabe o que perguntou? Perguntou o quê exactamente? Quer saber da influência da crise sobre o desempenho sexual? Da influência específica desta crise? Sobre os homens? Sobre as mulheres? Sobre os adolescentes? São muitas perguntas. Vou-lhe responder a algumas, não necessariamente a estas.
Chornal: Obrigado, Dr.
Dr. Ivanoff: Vou-lhe simplificar a vida. Não lhe vou falar da influência do sexo sobre a crise. Nem sequer da influência do sexo no surgimento da crise, o que se calhar devia, mas é demasiado cedo. O primeiro efeito da crise é a falta de tesão. Sim, ouviu bem, falta de tesão.
Chornal: Falta de tesão?
Dr. Ivanoff: Sim. Falta de tesão. Ou tesão a mais, também pode ser. Normalmente não é. O tesão é um barómetro da sociedade. É como se cada um tivesse um instrumento entre as pernas que lhe dissesse para onde vamos como comunidade.
Chornal: E acha que devemos seguir esse instrumento?
Dr. Ivanoff: Sem dúvida. Se não aprenderem mais nada comigo, ao menos fique essa lição.
Chornal: Estamos com um problema doutor. O nosso tempo está a chegar ao fim e ainda quase não falámos daquilo que cá nos trouxe.
Dr. Ivanoff: E que prometemos ao público…
Chornal: Ouvi dizer que as suas conversas nunca respeitam o planeado. Começa-me a parecer que é verdade. Mas esclareça-me lá. Isso da falta de tesão como resultado da crise não é preocupante?
Dr. Ivanoff: Sim e não. Para resolver isso estamos cá nós, os terapeutas, os educadores, etc., aquelas pessoas todas a quem os outros pagam dinheiro para descobrir depois que podiam ter resolvido os seus problemas sózinhos. De qualquer forma, não tem que se preocupar. Posso garantir pessoalmente que quem seguir os meus conselhos nunca terá falta de tesão. Nem com esta crise financeira, nem com qualquer outra.
Chornal: Bom, já ultrapassámos o tempo razoável. Temos que dar esta conversa por terminada.
Dr. Ivanoff: E ainda ninguém aprendeu nada. Um desastre.
Chornal: Nada, não. Aprendemos aquela coisa de seguir o instrumento. Sempre.
Dr. Ivanoff: Ah! Pois! Se calhar já aprenderam alguma coisa. Pelo menos os leitores mais atentos.
Chornal: Então boa-noite Dr. Ivanoff. Até breve.
Dr. Ivanoff: Então boa-noite e até breve também. Sigam o instrumento. Espero que a próxima vez seja mais produtiva.
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