Médicos da nossa praça

A Juliana estava preocupada com o filho: tinha um andar estranho, parecia que coxeava. Atravessou o rio e foi consultar o melhor ortopedista de Lisboa.
“Podemos entrar, doutor?”
“Faça favor.”
Depois de exposta a preocupação, em que o médico não tirou os olhos da Juliana, e nem sequer olhou para o filho, ele disse: “miúdo, põe-te a andar, para lá e para cá, para eu ver”. E o miúdo assim fez: começou a andar de um lado para o outro do consultório.
O médico virou-se para a Juliana: “sabe, isto às vezes é genético; venha cá, deixe-me ver”.
Encostou-lhe as mãos no tórax e foi deixando-as deslizar para baixo, apalpando cada curva do corpo: cintura, ancas, coxas.
A Juliana estava em choque, na cabeça explodiam-lhe estrelas de frio, degelava-se-lhe a consciência pelos ouvidos, e os olhos, naquele turbilhão, só viam branco, parecia o Céu… ou o Inferno. O Inferno é branco.
O miúdo andava, o médico palpava, a Juliana desmaiava… de pé. Um sufoco que não parecia ter fim.
“Pronto. Isto não é nada. O miúdo não tem nada. Não se preocupe.”
À saída, e depois das despedidas, o médico rematou: “vá aparecendo”.

(publicado com a autorização da Juliana)


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