Touradas e ‘civilização’

PORTUGAL, AS TOURADAS E A ‘CIVILIZAÇÃO’

(um texto de José Gabriel Pereira Bastos, que publico por estar de acordo com a generalidade das ideias, porque está bem escrito, e mais que isso, porque é lúcido na análise)

O facto de a nova Ministra da Cultura afirmar que prejudicar a tourada à portuguesa é um acto de ‘civilização’ permite constatar o óbvio – há quem ache que a civilização é norte-europeia ou, como dizem os Americanos, é WASP (white, anglo-saxon protestant) e que o Mundo Mediterrânico, polarizadamente católico, não é ‘civilizado’ por ser católico – um mundo de virgens, de santos e procissões, que os protestantes consideram semi-pagão, supersticioso e ‘atrasado’, a necessitar do seu colonialismo civilizacional. Há, por isso, em Portugal, portugueses ‘avançados’, que têm vergonha de serem portugueses e tencionam aproveitar lugares no Aparelho de Estado e no Governo para corrigir o ‘atraso’ civilizacional dos portugueses e nos tornar ‘mais europeus’, isto é, menos diferenciados culturalmente e mais absorvidos pela cultura protestante.
As touradas existem na península ibérica e no sul de França, associadas à pastorícia do gado bovino em liberdade. vigiados por campinos, sobretudo nas margens do Tejo (Ribatejo e Alentejo), originando esse facto cultural que é a tourada à portuguesa.
Têm contra si os que se auto-consideram os mais ‘civilizados’ dos portugueses, um agregado ideológico que forma uma minoria elitista activista, que se sente ‘superior’ aos outros portugueses – os vegan e vegetarianos, que não comem carne, os ecologistas, que são contra o gado bovino, por ser poluente, os ‘protetores dos animais’, que consideram a tourada um ‘divertimento’ marcado pela violência e pela tortura dos touros, algumas feministas, que associam a tourada ao Machismo (como se proibir as touradas acabasse com o machismo) e alguns católicos fanáticos que acham que a tourada é um resíduo dos cultos pagãos que ainda não conseguiram destruir. Uma ‘elite’ sub-cultural, com muito pouca gente, alinhada com a Cultura WASP.
Na Europa, a oposição identitária norte-sul tem uma longa história, a partir da Renascença, Portugal e Espanha (Castela) são cultural e identitariamente muito diferentes e a Tourada à Portuguesa bem diferente e oposta à Tourada Castelhana, que, com os seus Touros de Morte, faz parte de cultos da Morte.que lhe são específicos.
A principal acusação feita contra a Tourada à Portuguesa é o sangue (e sim, há um Culto do Sangue e da tortura nos católicos, associado à cultura do Cristo e dos mártires, desde o Circo de Roma, mas não há um Culto da Morte, há um Culto da Vida que sobrevive apesar dos ataques que lhe são feitos).
Estive em Berkeley, Califórnia, dois meses, em 2003, e a pesquisa que fiz sobre os Portugueses na Califórnia, pôs-me face quer ao Culto do Espírito Santo (um culto comunitário, vindo dos Açores, onde se refugiou quando foi perseguido pela Inquisição no Continente), quer às Touradas à Portuguesa, algo desconhecido dos Californianos (como afirmava, com espanto, uma revista americana local).
Assisti a uma Tourada à Portuguesa num dos 12 recintos de tourada que os Portugueses criaram na Califórnia, sobretudo depois da segunda leva de imigrados, aceites por Kennedy após o drama da irrupção do vulcão dos Capelinhos. Um recinto à cunha com centenas de portugueses (e não só), no Vale de São Joaquim, onde é poderosa a agricultura e a indústria do gado bovino (como é no Texas e noutros Estados do Oeste em que os touros vieram substituir as manadas dos búfalos exterminados), com uma Tourada sem sangue (‘civilizada’), com touros com o dorso protegido por uma almofada coberta de velcro (que pode tornar-se invisível se o touro fôr negro), na qual eram espetadas as bandarilhas, sem que o touro fosse sequer tocado e ainda menos ferido. Consequências: a beleza da Tourada permanece intocada, mas os toureiros e, sobretudo, os pegadores, correm um perigo maior, o que aumenta a dimensão dramática da tourada na encenação dramática da confrontação entre homens e toiros.
Este maior enquadramento da Tourada à Portuguesa na Civilização Americana não deve, provavelmente, à Ministra da Cultura, que, em vez de importar o resguardo do touro avançado pelos Portugueses da Califórnia, pretende, na sua douta ignorância e ‘superioridade’, castigar económicamente a Tourada à Portuguesa, para no futuro avançar na extinção da ‘barbaridade’, tal como pretendida pelo PAN, um partido residual importador da discursividade ideológica e dogmática das minorias extremistas de activistas identitários que pretendem corrigir o ‘atraso’ dos Portugueses.
Proibir Touros de Morte, castelhana, em Portugal, deve ser feito, dado a sua extrema violência, mas proibir a Tourada à Portuguesa, em vex de proteger os touros, levará à sua extinção, porque nenhum ganadeiro continuará a promover manadas de touros em liberdade nas lezírias do Ribatejo (as quais, provavelmente acolherão monoculturas). Pretendem estes fanáticos extinguir os touros em liberdade e as touradas sem sangue e levar os últimos touros para o Jardim Zoológico, ao lado de outros animais em vias de extinção?
Entre o tudo dos ‘adeptos’ (‘bárbaros’ e ‘atrasados’, ‘violentos’ e ‘torturadores’, segundo os opositores) e o nada dos ‘civilizados protetores dos animais’ pode haver o progresso dos inteligentes, promotores de aperfeiçoamentos graduais (sem ‘deitar fora o bébé com a àgua do banho’, como diz o povo, que não perdoa a estupidez e curteza de vistas dos ‘civilizados’ de gabinete).
A BINARIAZAÇÃO (em que um pólo tem que ser derrotado e extinto), É UMA FORMA SUBTIL DE RACISMO E DE IMPERIALISMO (dos ‘civilizados’ contra os seus ‘atrasados’) e, a meu ver, a FORMA SUPERIOR DA ESTUPIDEZ (disfarçada de superioridade).

José Gabriel Pereira Bastos


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