Abandonar o cão. Hoje.

A partir de Setembro, existe legislação que torna crime, punível com prisão, o abandono de cães e gatos. O abandono de cães e gatos sempre existiu. A crise deu ao abandono do cão uma dimensão nova. Hoje abandona-se porque, de repente, se deixou de ter as condições económicas mínimas para cuidar de um animal que até ali era desejado, ou tolerado, e agora está doente, ou velho, e implica uma despesa em veterinário para o qual o dinheiro simplesmente deixou de existir.

Face à crise e à redução do número de pets, os diversos stakeholders do negócio dos pets mexeram-se. Mexeram-os os bonzinhos que gostam dos animais. Mexeram-se as empresas do negócio da comida para cão. Mexeram-se os veterinários. Mexeram-se as farmacêuticas. Mexeram-se os centros de educação canina. Mexeram-se os hotéis para cães. Mexeram-se os cabeleireiros para cães. O negócio dos pets é uma coisa séria. Com o negócio dos pets não se brinca. Há mais pets que crianças em Portugal. Nos hipermercados, há mais dinheiro na prateleira de comida para pets do que na prateleira de comida para crianças. E é isso que os stakeholders do negócio dos pets pretendem que continue a acontecer.

A população falha na alimentação dos filhos. Não paga as prestações de alimentos a que está obrigada. Falha no pagamento das prestações do automóvel. Falha no pagamento das prestações da casa. Falha no tratamento médico dos filhos. E em nenhum caso destes existe pena de prisão, ou, pelo menos, não existe ninguém preso, mas existe pena de prisão se falhar nas obrigações para com o pet.

A partir de Setembro, assim que a lei for publicada no diário da república, abandonar o pet é crime punível com prisão, assim como qualquer forma de tratamento cruel. O veterinário sabe que, aconteça o que acontecer, você vai ter de lhe pagar as operações todas e não pode sequer mandar matar o cão. Setembro é o último mês em que ainda pode abandonar o seu pet.

P.S.: A lei que aí vem é uma obra de arte fecal. A lei faz piruetas para definir cães e gatos como uma tipologia especial de animais, não se atrevendo a tal porque não há qualquer evidência científica que o justifique. Assim, a lei refugia-se no conceito de animal de estimação, um conceito absolutamente inexacto que, por o ser, não devia nunca ter lugar num sistema jurídico minimamente rigoroso.

P.S.2: A lei que aí vem é uma obra de arte fecal. A lei faz piruetas para introduzir o conceito de tratamentos cruéis a pets. Mas não define o que são tratamentos cruéis. No entanto, qualquer pessoa sensata percebe que para um cão ou gato a eutanásia é um tratamento cruel para o qual o animal não daria certamente o seu acordo.


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Comentários

2 comentários a “Abandonar o cão. Hoje.”

  1. Avatar de ValeTudo
    ValeTudo

    O Coelho é um animal de estimação no PSD?

  2. Avatar de Maquiavel
    Maquiavel

    Quando a fome apertar, pode-se sempre cozinhar o Tareco… ou o Pantufa!

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