Um dia na Rússia

Saí de casa e fui meter gasóleo. Na bomba está uma russa loura, de rabo redondo, nem magra nem esquelética, curvas q.b. Bem, mas para já só avia automóveis.

Segui para Oeste e, uma hora depois, e depois de uns banhos nas águas geladas da nossa costa, entrei na cantina soviética. A dona pôs-se a falar em russo comigo, mas eu já ia preparado e respondi-lhe em grego. Lá nos entendemos.

Feiçada de porco com batata frita em alho. Para acompanhar, mandei vir um vinho às cegas. E saiu-me bem.

Duetos, Douro tinto 1999, 13,5% de álcool, Tinta Roriz e Tinta Barroca. E agora os comentários. Que grande pomada. Um vinho de 1999, que eu até tive medo de mandar abrir, mas arrisquei e ganhei. A cor era de groselha quando despejado no jarro. Assim uma groselha meio transparente enquanto escorria da garrafa para o recipiente decantador. Mas depois, já no jarro, era um roxo escuro quase preto. Bom sinal: não estava passado do tempo. Ainda se podia beber. Mas e o sabor?

A rolha estava impecável. Parecia que tinha sido envasado ontem. Apenas a extremidade estava tingida de tinto roxo escuro, cerca de 2 mm de rolha de cor roxa quase preta. Hummm, não entrou ar. Ests tipos sabem armazenar vinho. A garrafa estava fria, não refrigerada mas fria, tinham ido buscá-la à cave e tinham estado a limpá-la para lhe tirar a poeira. Ainda se viam as marcas do trapo que lhe passaram por cima. Ah! Só falta provar.

O cheiro era prometedor. Já tinha cheirado a rolha e o topo da garrafa depois de aberta. Mas agora, no jarro, não havia dúvida: ainda havia ali vinho. Vinho fresco, apesar da idade.

Mas que história é esta a dos Duetos? Dueto de quê? Dueto de quem? Bem, são muitas perguntas, vamos começar com os duetos de quê.

É um dueto de duas castas: A Tinta Roriz e a Tinta Barroca. Diz o autor: “Chegou a vez dos encontros a dois. Castas de grande expressão no Douro. Tinta Roriz e Tinta Barroca complementam-se. Casamento feliz pleno de Fruta e Tipicidade.” O autor é Alves de Sousa, de Santa Marta de Penaguião, o mesmo autor do Abandonado 2005, o melhor vinho português de 2009, também emborcado aqui no Chornal.

Do rótulo consta ainda um enigmático “Quinta da Estação” no canto superior direito do rectângulo da frente. Suponho que seja o nome da quinta onde foram elevadas as uvas que deram cor a este vinho. Cor e Sabor… Ah! O Sabor.

Estes vinhos vampiros, vinhos velhos que, quando vêem a luz do dia e respiram os primeiros tragos de oxigénio, se desmoronam em poucos minutos e pouco depois nem para temperar comida servem, são sempre arriscados, é sempre arriscado abrir uma garrafa destas. Mas este foi bem conservado, numa cave escura e fria, não há dúvidas sobre isso. O sabor manteve-se durante a hora em que roí as faces do porco frito e guisado que me chegou à mesa. Um sabor ácido, frutado, carregado pelo tempo, mas que não sabia ainda a velho, complexo, demasiado complexo, uma mistura de sabores que se foram juntando dentro da garrafa durante 12 anos e saltaram para o meu copo ali, naquele momento. Um momento único a fazer lembrar a velha alegoria da garrafa do Atílio do Casarão. Uma garrafa única. Não tentem o mesmo em vossa casa. Não vão conseguir.


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