Esta é mais uma das conversas do chornal com o Dr. Ivanoff. O chornal regozija-se com a oportunidade de ter consigo este convidado, um cientista de craveira internacional, uma referência na sua área de conhecimento.O Dr. Ivanoff é um perito em antropologia sexual, um domínio relativamente desconhecido do público.
Chornal: A poligamia está de volta. Uma certeza, para o Dr. Ivanoff. Terminou assim a nossa última conversa. Falou, ainda que vagamente, dos porquês e das funções da poligamia. Quer dar seguimento ao seu raciocínio?
Dr. Ivanoff: A poligamia está de volta porque é um sistema superior. Porque a monogamia não dá resposta às necessidades humanas. Porque não dá resposta às necessidades da família face à adversidade envolvente. Está de volta porque está aí uma crise que vai deixar à vista todas as fragilidades da monogamia.
Chornal: Prossiga, Dr.
Dr. Ivanoff: O casal monogâmico está metido num sarilho. Quer ter tempo para os filhos, mas não tem. Quer ter tempo para si, mas não tem. Quer ter rendimentos que lhe permitam viver confortavelmente, mas não tem. Quer ser capaz de lidar com o risco do desemprego de um deles, mas não consegue.
Chornal: É verdade.
Dr. Ivanoff: Neste momento, você tem famílias que vivem bem, mas que se um deles perder o emprego ficam à toa.
Chornal: É verdade.
Dr. Ivanoff: E é aí que entra a poligamia. A monogamia não dá resposta a problemas para os quais a poligamia tem respostas óbvias, evidentes, diria até, fáceis. Aquilo que para a monogamia é uma catástrofe é, no contexto de uma família poligâmica, um pequeno contratempo sem importância.
Chornal: Como?
Dr. Ivanoff: Você tem um casal monogâmico. O marido ou a mulher perde o emprego. Ficam aflitos com as contas para pagar que continuam a ser as mesmas. É uma situação complicada. A casa e o carro têm que continuar a ser pagos e as pessoas não têm como. Abandonámos a agricultura e as pessoas não podem ir resolver o assunto plantando mais umas coisas na horta.
Chornal: É verdade. A vida hoje é diferente daquilo que era há uns anos.
Dr. Ivanoff: E agora mais diferente. Agora, está aí uma crise para pôr a nu as fragilidades de todo um modelo que andámos a construir em tempos de fartura e de conforto. E é essa crise que, a curto prazo, vai levar as pessoas de volta à poligamia.
Chornal: A curto prazo, Dr.? Não acha que está a exagerar?
Dr. Ivanoff: De forma nenhuma. Os seres humanos são inteligentes e adaptam-se rapidamente se acharem que o precisam de fazer. Por outro lado, não é difícil, a poligamia faz parte da natureza humana, pelo que o processo poderá ser muito mais rápido do que o esperado e, sobretudo, menos complicado.
Chornal: Acha portanto que estamos inseridos numa dinâmica social que vai trazer de volta a poligamia substituindo a monogamia.
Dr. Ivanoff: Não é de uma substituição que se trata. Provavelmente, vão coexistir. Como sempre coexistiram, em maior ou menor grau. A própria sociedade monogâmica sempre defendeu o seu equilíbrio recorrendo a elementos típicos da poligamia.
Chornal: Podia explicar-se, melhor?
Dr. Ivanoff: Até que a morte vos separe. Sim, mas isso é insustentável. Quando as pessoas não querem, não querem mesmo. Aí surge o divórcio. Uma nova mulher, uma nova família. Na verdade, muitas vezes, duas famílias. A sociedade exige que o homem mantenha a protecção dos filhos da família anterior. O homem tem que sustentar, ou contribuir para o sustento, de duas famílias, de duas mulheres. As pessoas permanecem ligadas por uma rede de obrigações e afectos.
Chornal: Mais de obrigações do que de afectos.
Dr. Ivanoff: Errado. Para que as coisas corram bem, na educação dos filhos, os afectos têm que estar lá. Senão os mesmos afectos, pelo menos alguma forma de afecto, de estima, de consideração, ou do que lhe queira chamar, tem que estar presente.
Chornal: Mas está a falar de divórcio, ou seja, de duas famílias que coexistem, mas que vivem separadas.
Dr. Ivanoff: Infelizmente, em boa parte dos casos. Não ganham nada com isso. Têm muito mais a ganhar em viver juntas, se o conseguirem. Ou, pelo menos, próximas.
Chornal: Próximas? O que quer dizer com isso?
Dr. Ivanoff: Próximas, fisicamente. Devia ser proibido, ou quase proibido, que alguém se separasse e fosse viver a centenas de quilómetros dos filhos. Separou-se, sim, mas tem que estar ali perto, para o que der e vier. Para levar os filhos à escola. Para cuidar deles, se estiverem doentes. Para educá-los. Para tudo aquilo que antes fazia, tal e qual.
Chornal: Então tinham que ser vizinhos. Ou, pelo menos, viver no mesmo bairro.
Dr. Ivanoff: Sim, sempre que possível. Sempre que possível é a melhor solução.
Chornal: E se os pais não se dão?
Dr. Ivanoff: Se não se dão, devem ser multados. Se não se dão, devem fingir que se dão. Esta merda não deve ser fazer os filhos e abandoná-los. Consolou-se de foder, não é? Então agora tem que cuidar deles, é a ordem natural das coisas.
Chornal: Mas, e se os pais não se dão mesmo? Não me parece fácil obrigá-los.
Dr. Ivanoff: Aí é que está enganado. As sociedades sempre obrigaram os indivíduos às mais diversas coisas. Existem muitas maneiras de o fazer. Se o comportamento de um indivíduo é incorrecto, ou visto como incorrecto, a sociedade penaliza. Eu não estou a ver, por exemplo, que as mulheres conscientes e inteligentes aceitem um homem que abandonou a família anterior à sua sorte. Não se faz, é errado, e é um péssimo indicador do carácter do indivíduo. Por outro lado, se querem aquele indivíduo e ele tem as responsabilidades que tem, vão ter que aceitar a situação e lidar inteligentemente com ela. É o que milhares de pessoas fazem, todos os dias.
Chornal: Aí o Dr. chocou-me um pouco. Referiu-se ao abandono, ou afastamento, da família como um indicador do carácter do indivíduo. Existem situações e situações.
Dr. Ivanoff: Foi você que disse afastamento, não fui eu. Mas é a mesma coisa. Claro que existem situações e situações. Um indicador é isso mesmo, não é nada que possamos tomar por certo.
Chornal: Ok. Voltemos à poligamia. O que é que a poligamia tem que a monogamia não tem?
Dr. Ivanoff: Mais gajas. Essencialmente isso.
Chornal: Sim. Mas para além disso? Tem mais coisas?
Dr. Ivanoff: Tem. Claro que tem. É isso que me traz aqui. Já deu para perceber que as implicações da organização e da geometria familiar são muitas. As superioridades da poligamia são muitas, e um dia havemos de falar nelas, por agora queria apenas realçar aquilo que chamo de “resistência à intempérie”.
Chornal: Resistência à intempérie?
Dr. Ivanoff: Sim. É isso que, neste momento, com a crise, torna a monogamia difícil. É isso que a poligamia oferece naturalmente e que neste momento faz a diferença.
Chornal: Podia explicar-se?
Dr. Ivanoff: Sim. Claro. A crise de que tanto se fala é uma crise económica. Uma crise que afecta os rendimentos e uma crise que traz incerteza quanto às expectativas de futuro.
Chornal: É verdade.
Dr. Ivanoff: E a poligamia responde a isso tudo. A poligamia reduz os gastos com a habitação. Na verdade, reduz os gastos com comida, com vestuário, com brinquedos, etc., porque existe mais partilha. A poligamia optimiza recursos e disponibiliza recursos que de outra forma não estariam lá. A poligamia responde às necessidades face a um novo contexto que põe em causa o status quo de conforto e de segurança.
Chornal: Dito assim, parece fazer algum sentido.
Dr. Ivanoff: E a incerteza. A incerteza quanto ao futuro. As pessoas toleram uma descida no rendimento disponível, se souberem de quanto é e se souberem que é sustentável e que fica por ali. Mas o que não toleram é a incerteza. O que não toleram é a incerteza de que a descida nos rendimentos não fique por ali. A incerteza de não saberem se estão à altura das suas obrigações.
Chornal: O desemprego…
Dr. Ivanoff: O desemprego, pois. Um drama para uma família monogâmica cujas fontes de rendimento estão limitadas a dois adultos. Em que se um perder o emprego lá se vão 50% dos rendimentos. Eventualmente uma sorte para uma família com um homem e três ou quatro mulheres, em que se uma perder o emprego ficam com menos 20% dos rendimentos, mas todos ficam com mais tempo para os filhos, para cuidar da casa, para fazer as refeições, para cuidar da roupa e para si próprios.
Chornal: Então o Dr. acha que a poligamia vem aí, imparável.
Dr. Ivanoff: Mais ou menos. Todos nós gostamos de nos sentir como os outros, de não ser marginalizados.
Chornal: Ah! Temos aí um problema. E então?
Dr. Ivanoff: Então não sei. Não acredito que as pessoas venham dizer “agora lá em casa, com as minhas duas mulheres, vivo muito melhor”. As pessoas inteligentes não fazem isso. Fazem, mas não dizem.
Chornal: Sim. E então, face a isso, qual é o futuro que antecipa?
Dr. Ivanoff: O futuro não está escrito. Alguma coisa vai mudar, certamente. Cada um lá encontrará a solução que para si for mais aceitável.
Chornal: Muito bem. Estamos a chegar ao fim. Mais uma vez, queria agradecer-lhe a sua presença, Dr. Ivanoff.
Dr. Ivanoff: Obrigado, eu. Até à próxima.
Deixe um comentário