poligamia 3

Esta é mais uma das conversas do chornal com o Dr. Ivanoff. O chornal regozija-se com a oportunidade de ter consigo este convidado, um cientista de craveira internacional, uma referência na sua área de conhecimento.O Dr. Ivanoff é um perito em antropologia sexual, um domínio relativamente desconhecido do público.

Chornal: A poligamia, mais uma vez. Sabemos que está disposto a trazer-nos mais uma vez o seu conhecimento e a sua perspectiva sobre este assunto. Vamos a isso?

Dr. Ivanoff: Antes de mais, boa-noite. Sim, claro, vamos a isso.

Chornal: Da última vez que abordámos este tema, o Dr. abordou pela primeira vez a perspectiva das mulheres sobre a poligamia. O que nos traz hoje?

Dr. Ivanoff: Para hoje, temos a sociedade face à poligamia, ou a poligamia face à sociedade, como queira. Da última vez, fez-me uma pergunta que ficou por responder, como muitas outras: “O que é que para si faz da monogamia uma má invenção?”. Dito por outras palavras: “Porque é que eu advogo que a poligamia é superior à monogamia”?

Chornal: Pois, é verdade. Perdemo-nos entretanto e o tema ficou esquecido.

Dr. Ivanoff: Pois. Mas por isso o trazemos aqui novamente, Porque é um tema fundamental, talvez o mais fundamental dos temas na nossa sociedade.

Chornal: Diga então de sua justiça, Dr. Ivanoff.

Dr. Ivanoff: Vou começar por algo que, aparentemente, não tem nada a ver. A China e a sua política de filho único. Em tempos, adoptou-se a chamada política de filho único, como forma de combater a explosão demográfica…

Chornal: Deixe-me elucidar os nossos leitores. A política de filho único significava que, na China, um casal não podia ter dois filhos. Uma política ditatorial que impunha a vontade do Estado à família. Uma política que teve como consequência que as filhas fossem mortas porque os casais desejavam ter filhos machos e ao terem uma filha perdiam essa possibilidade.

Dr. Ivanoff: Exactamente.

Chornal: E deixe-me acrescentar, Dr. Uma política que causou um desequilíbrio demográfico na China, onde existem neste momento menos 100 milhões de mulheres do que homens.

Dr. Ivanoff: Sim, é verdade. E eu não ia agora falar disso, mas peço-lhes que atentem nas consequências. Ali estão 1500 milhões de chineses, rebarbados, à procura de mulheres que não têm no seu espaço nacional. É um fenómeno de consequências geopolíticas incalculáveis. Mas não é disso que viemos falar hoje. Hoje estamos aqui para falar das implicações sociais das regras que se impõem à família

Chornal: Como? Não percebi exactamente.

Dr. Ivanoff: A China, com a política do filho único, fez com que deixassem de existir irmãos. E tios. E sobrinhos. E primos. É uma catástrofe a prazo. São essas redes que sempre existiram que protegem os seres humanos da adversidade. Até da adversidade da velhice.

Chornal: Sim. A prazo, a velhice é uma inevitabilidade. Convém estar preparado para ela. E acha que os chineses não estão?

Dr. Ivanoff: Definitivamente, não estão. Sem uma rede familiar tudo é mais difícil. A inexistência de uma rede dessas torna necessários sistemas de segurança social que a China não tem. E que custam dinheiro. E que são difíceis de manter, até porque a implosão demográfica que resulta do envelhecimento da população, ou seja, da política do filho único, é um estorvo à sustentabilidade da segurança social.

Chornal: Um fenómeno parecido àquele que se passou com o Japão nos últimos anos…

Dr. Ivanoff: Sim. Os japoneses que trabalhavam 500 horas por dia não fizeram filhos. Ou, pelo menos, não os fizeram em número suficiente. Hoje, o Japão é uma sociedade envelhecida. Não há PIB que resista a isso. Não há nada que resista a isso. Tudo se desmorona. Desmorona-se a capacidade produtiva, o poder económico, a influência política, a capacidade tecnológica, o poder militar, tudo. Não há nada que resista ao envelhecimento inexorável de uma população.

Chornal: E tudo isso, com implicações nas famílias.

Dr. Ivanoff: Claro. É esse o ponto. Todos aqueles velhos que trabalharam uma vida inteira ali estão, agora, sem ninguém que cuide deles. Ou antes, o velho cuida da velha e vice-versa, enquanto os dois estiverem vivos. E depois é um problema, para eles e para a sociedade em que se inserem.

Chornal: É verdade. China, Japão, parece-me que nos estamos a afastar do tema da poligamia. Estamos, Dr.?

Dr. Ivanoff: Não, de forma nenhuma. Estamos mais perto dele do que nunca. Aquilo que venho aqui dizer hoje é que existe uma interacção entre as políticas familiares, o desenvolvimento e, sobretudo, a satisfação das necessidades de segurança.

Chornal: Ah! Mas não vejo ainda aí a poligamia.

Dr. Ivanoff: Não vê porque não quer. Não vê porque lhe lavaram o cérebro com detergentes rascas. Não vê porque foi escolarizado e educado e essas coisas todas que não lhe fazem falta nenhuma.

Chornal: Ah! Já cá faltava a sua indignação contra a escola e a educação e as coisas todas que não fazem falta nenhuma.

Dr. Ivanoff: Não vê porque alguém lhe apresentou sempre a poligamia como uma coisa exótica, como uma coisa de uns incivilizados de outra parte do mundo muito, muito distante. Não vê porque se esqueceram de lhe explicar as consequências nefastas do abandono da poligamia. Não vê, porque de todas as vezes que lhe falaram de poligamia se esqueceram, intencionalmente, de lhe explicar os porquês da poligamia.

Chornal: Elucide-me, ou antes, elucide-nos então.

Dr. Ivanoff: A poligamia é como a tribo. As sociedades tradicionais não se organizavam em casais. Um casal não resiste sozinho à intempérie, ao frio, à fome, aos animais selvagens, etc. A vida primitiva era dura. Não se compadecia com individualismos.

Chornal: Mas o casal não é individualismo. São dois.

Dr. Ivanoff: O casal é o caminho do individualismo.

Chornal: Como?

Dr. Ivanoff: A tribo, a família poligâmica, o casal, a família monoparental e o indivíduo que vive só, sem família e sem filhos são diversos graus do individualismo, correspondem a níveis de individualismo crescente.

Chornal: Ah!

Dr. Ivanoff: Não me interrompa. O individualismo é suportado pela melhoria das condições de vida, pelo facilitismo. O individualismo vê-se ameaçado sempre que as condições de vida se tornam mais difíceis. O individualismo que vivemos é, na origem, essencialmente americano, pois é a primeira sociedade de fartura, em que o indivíduo facilmente sobrevive sózinho com algum conforto sem precisar de ninguém.

Chornal: Não precisar de ninguém, para nada, assim haja dinheiro. Nem para ter filhos. Temos hoje as estrelas que têm filhos alugando as barrigas de uma pessoa qualquer, como aquela gaja do Sexo e da Cidade…que não tem tempo para ter a criança na barriga e então paga a outra para emprenhar por ela.

Dr. Ivanoff: Exactamente. Esse individualismo só pode ser suportado por uma sociedade de riqueza, de conforto, uma situação anómala na história da humanidade, uma situação que contraria, de certa forma, a natureza da humanidade.

Chornal: E então?

Dr. Ivanoff: E então, temos aí uma crise. Graças a Deus. Uma crise que destrói as bases de uma sociedade que se permite ser individualista. Os próximos tempos são de dificuldades. Os próximos tempos são de uma deslocação no eixo individualismo-colectivismo, de que fala Hofstede. Os próximos tempos são de um regresso a estruturas familiares mais alargadas. A poligamia está de volta.

Chornal: Acha, Dr.?

Dr. Ivanoff: Tenho a certeza.


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