Encontraram mais uma foto do João Artur. Uma das poucas que se lhe conhecem, uma das raras que se lhe conhecem na vida adulta, a única onde se lhe distinguem os traços faciais. Tirada em Aden, Abissínia, 1880.
E se olharem bem para a foto, nada o distingue de um californiano dos anos 80 do século XX: ganzado, de bigode, com ar de paneleiro. Pedófilo, vendedor de armas, comedor de crianças – hoje seria padre, ou estaria na barra do tribunal à espera da sentença – tudo o que ontem era bom, mas hoje é mau.
Do Rimbaud, não tenho inveja de escrever como ele ou de cantar as músicas que inspirou, de vender armas ou fumar cachimbos de água na terra de João Prestes.
Gosto da poesia e invejo-lhe a liberdade.
Finco cotovelos na mesa, o candeeiro ilumina vivamente estes jornais que só por idiotia releio, estes livros sem interesse.
A enorme distância, acima da minha sala subterrânea, implantam-se as casas, reúnem-se as brumas. A lama é vermelha ou negra. Cidade monstruosa, noite sem fim.
Mais abaixo, os esgotos. Dos lados, só a espessura do globo. Talvez abismos de azul, poços de fogo. É talvez neste plano que se reúnem luas e cometas, mares e fábulas.
Em horas de desânimo imagino globos de safira, de metal. Sou o mestre do silêncio.
Porque haveria de empalidecer uma aparência de respiradouro ao canto da abóbada?
Deixe um comentário