Há muitos anos vi uma peça de teatro na TV sobre um homem que vendia os órgãos. Por dificuldades económicas. Em vida. E assim ia perdendo os órgãos um a um, morrendo às mãos de um capitalismo obsceno.
Era uma peça espanhola, minimalista, comunista, com pouco mais do que um actor num espaço pouco mais do que vazio. Os espanhóis são grandes no mundo das artes. Não precisam de muitos recursos para fazer grandes coisas. Nunca me esqueci da peça. Provavelmente para hoje a contar aqui.
Hoje, tudo é um negócio. A medicina mais do que então. As transfusões são um negócio. Os transplantes são um negócio. Há que promover a actividade. Em benefício dos privilegiados.
Privilegiados são os que usufruem dos órgãos porque têm poder de compra para pagar os actos médicos. Ou influência para os obter. Os dadores são, por decreto, todas as restantes pessoas.
Temos um governo que é pelo progresso. A indústria dos transplantes faz parte desse progresso. E diz o governo que temos um acordo inovador, único na europa. Para fazer fazer transplantes do pulmão em espanha. Mais uma coincidência notável.
A bem da indústria, o governo apela à dádiva de órgãos. Com um discurso humanista. É o mesmo governo que não estabelece limites para os lucros do negócio dos transplantes nem para as remunerações dos seus operadores. É o mercado, pois claro, funcionando em cima da dádiva.
A igreja acompanha o governo. Uma igreja que discursa pelos transplantes. Para salvar vidas. Sempre se disse que uma pessoa que se dá demasiado mal com a morte não acredita em deus. Esta é uma igreja que se dá demasiado mal com a morte. Uma igreja que não acredita em deus.
Naturalmente, o governo não estabelece qualquer tipo de obrigação para com os dadores e suas famílias. Que se fodam, porque isto é o capitalismo. Cada um por si. Excepto quando e no exacto momento em que precisamos uns dos outros.
P.S.: Os antigos diziam “ainda bem que todos morrem, senão os ricos compravam a morte”. Aos olhos da morte, todos eram iguais. Os ricos, como não podia deixar de ser, não podiam estar em maior desacordo, o que não se pode censurar.
extraterrestes do caralho…
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